A avó é mais do que um exemplo de coragem. Há 4 meses atrás teve um acidente vascular-cerebral que nos deixou a todos de esperanças apertadas. Quando foi internada os médicos achavam que dificilmente resistiria àquela noite. Era uma realidade dura, que nos esforçávamos por tentar aceitar. Mas os dias foram passando, com complicações atrás de complicações e uma qualidade de vida bastante reduzida: não se conseguia mexer, estava confinada a uma cama e era alimentada através de uma sonda.
Aos poucos parecia reaprender as palavras deixando escapar uma, muito de vez em quando.
Numa manhã acordou inteira, cheia de perguntas e com as palavras todas. Queria saber o que fazia ali e por que motivo não sentia as pernas. Do fundo dos seus 86 anos parecia regressar à idade dos porquês. Queria voltar a tudo, ao mesmo tempo, mas as pernas não obedeciam e o sabor das coisas não era o mesmo. Arrancava a sonda e tentava forçar-se a si mesma a comer. Um dia decidiu-se não fazê-la passar mais por esse processo doloroso, desde que ela prometesse que tentava comer. Foi recuperando os paladares, começou a lembrar-se das coisas que gostava. Até voltou ao sentido de humor de antigamente. Todos os dias nos surpreende.
Ontem recebi uma mensagem da minha mãe, que cuida dela há anos, desde que ela começou a precisar de alguém a cem por cento. A avó tinha acordado a sentir as pernas. Pediu que a ajudassem e deu uns passos pelo quarto. Quando chequei a casa tinha aquele sorriso limpo de sempre. "Quero ver se ainda dou umas caminhadas contigo", disse-me.
Mas não é só por isso que ela é um exemplo. A sua preocupação é, sempre, garantir que tudo está bem. A vida foi dura com ela e, apesar disso, sempre desculpou tudo e todos e nunca deu menos do que muito. Ensinou-me que a vida é bonita demais para a desperdirçar-mos, a dar sempre o benefício da dúvida e a respeitar tudo, por mais absurdo que possa parecer.
Há muitos anos que a minha mãe não pode trabalhar e prescinde de muita coisa para cuidar da avó. Chega ao fim do dia quase sem forças e nem sempre mostramos que a entendemos como ela precisa. Este é dos maiores exemplos de amor que conheço. A dedicação da minha mãe foi decisiva para que a avó nunca desistisse de viver, em nenhum momento.
Por isso e por tudo o resto, obrigada mãe.
(Não gosto de falar da minha vida, não tenho por hábito despejar lamentações e elogios assim publicamente mas a verdade é que senti que precisava de partilhar com o mundo o exemplo das duas mulheres mais fortes que conheço. Obrigada por ouvirem)