2016
Monday, January 02, 2017
Há um ano atrás o nosso mundo, como o conhecíamos, ruiu. Uma dor de cabeça fulminante e o diagnóstico, umas horas depois, tão difícil de digerir. As palavras todas misturadas sem fazer sentido, hemorragia cerebral, aneurisma. E os olhos tão azuis do médico, a voz tremida. Mais outro médico, depois o cirurgião, tudo tão depressa, como um daqueles pesadelos que nos tiram o fôlego e dos quais não conseguimos acordar…
Guardei no telemóvel, até agora, as fotos mais difíceis que tirei na minha vida. E guardei as palavras que ainda não conseguia escrever.
Liberto-as agora, neste ano novo em folha que quero agarrar com todas as forças.
Naquele momento só consegui pensar que era injusto e tenebroso, que não podia ser verdade. Queria chorar, queria gritar, queria que alguém parasse o tempo naquele instante e me deixasse sair. Queria estar num sitio qualquer a queixar-me do frio ou do trânsito, queria ver a minha família toda ali a dizer-me que ia ficar tudo bem, queria ligar aos meus amigos e ouvi-los dizer coisas boas, queria que me desses a mão e me levasses dali para fora.
E depois, uma força maior que eu, uma força do tamanho das preces e do amor de tanta gente prendeu-me àquele momento.
Quando acordei da cirurgia achei que já estava tudo terminado e a batalha que se seguiu foi fria e escura e interminável.
Agora sei, a vida traz-nos sempre o que precisamos. Às vezes da pior forma possível. No momento achamos que não precisávamos de nada disso, que não podemos tirar nenhuma utilidade de algo tão feio e tão assustador. Não, nós já sabemos tudo o que precisamos saber, fartamo-nos de partilhar citações que não precisamos de pôr em prática, criticamos sem saber, julgamos, pedimos, queremos. E depois a vida lembra-nos. O motivo pelo qual nos chateamos com alguém deixa de fazer sentido, aquela pessoa em quem já não pensamos precisa de ajuda e nós precisamos de alguém que pensávamos já ter esquecido. Em vez de resoluções de ano novo e listas intermináveis de coisas a fazer pensamos no que podemos dar e em tudo o que temos para agradecer.
O dia chega. Aquele dia que é igualzinho a um barco a brilhar ao sol num mar imóvel, logo depois de uma longa tempestade. Esse dia chega, com todas as metáforas de velas rasgadas e destroços que as tempestades trazem e o mar a seguir fica tão calmo que, no início, estranhamos aquele silêncio e aquela quietude. É um silêncio que fere e arranha por dentro. Um silêncio que relembra medos e traz memórias de coisas difíceis e escuras.
E repetimos que vai ficar tudo bem, até acreditarmos nisso. Até sermos só o barco a flutuar num mar calmo de gratidão.
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